Por trás das grades, 533 detentos conseguem sustentar a família, sem precisar trabalhar. O "salário sem esforço" é o auxílio-reclusão, benefício concedido a dependentes de apenados, que varia de R$ 678 a R$ 971,78. Na Paraíba, 10,9% dos presos em regime fechado e semiaberto têm direito. No Estado, nunca foram concedidos tantos benefícios deste tipo. O recorde foi atingido em 2012, quando 254 famílias deram entrada no auxílio previdenciário, 43,5% a mais que há sete anos, em 2005. O percentual é maior, inclusive, que o aumento da população carcerária alvo do benefício, que cresceu 35,03% nesse mesmo período.
Com o filho preso por assalto à mão armada, Dona Fabiana (cujo nome real será preservado) cuida do neto, Miguel, de 2 anos. O auxílio- reclusão que ela recebe há quatro meses, no valor de R$ 678, é sua única renda e garante o leite da criança e outras necessidades básicas. Mas, com a mudança do regime fechado para o semiaberto do filho, Dona Fabiana tem medo de perder a ajuda financeira. O dinheiro que serve de sustento para Miguel corre o risco de ser extraviado pelo próprio pai. “Ele agora está querendo pegar o dinheiro para juntar e comprar uma moto. Estou preocupada porque eu não tenho renda, dependo desse benefício”, disse.
O problema de Dona Fabiana é um dos pontos polêmicos do auxílio-reclusão, que também acomete outras famílias. Já que o benefício é estendido também às famílias dos presos no regime semiaberto, que passam o dia fora do presídio e voltam apenas para dormir, não há como garantir que o dinheiro não será extraviado pelo bandido. “O benefício não é pago a ele, mas ao representante legal, que, neste caso, é a mãe dele, que é a tutora da criança. Isso é uma relação de direito privado e não previdenciário. A avó tem que ir à delegacia mais próxima e denunciar o filho. Se um juiz souber disso, o regime pode ser revogado para o fechado”, argumenta o gerente executivo do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) de João Pessoa, José Antônio Cavalcanti.
O auxílio-reclusão é pago há 50 anos pela Previdência Social, mas começou a causar polêmica há pouco tempo, com a disseminação de notícia na Internet que protesta contra o benefício, com informações equivocadas. O gerente executivo do INSS explicou que a maioria das pessoas julga o auxílio-reclusão sem saber realmente do que se trata. “Circulou na Internet uma notícia dizendo que todo preso tinha direito a R$ 971 por cada filho. Não é verdade. O auxílio-reclusão não é um benefício do preso. Pagamos um valor para manter um deteneto. Na Paraíba, cada detento custa em torno de R$ 3 mil, mas isso não é da alçada da Previdência. A Previdência dá cobertura e subsistência aos dependentes dele. Na falta deles, pode ir para irmãos ou pais. O benefício não é do preso nem da família toda, mas dos que dependem do preso”.
“O preso no semiaberto pode trabalhar e voltar à noite para o presídio. Acho certo que o semiaberto também institua o benefício, porque serve de motivação, de progressão de pena. Já no regime aberto, ele é mais livre”, explicou José Antônio.
“Eu sou contra”
Segundo o professor de Direito Previdenciário da Universidade de São Paulo, Sérgio Pinto Martins – autor do livro “Direito da Seguridade Social” – o auxílio-reclusão é motivo de debate na doutrina previdenciária, porque o INSS estende a mão à família de uma pessoa que só está impossibilitada de trabalhar porque provocou essa situação, nesse caso, um crime.
“Eu sou contra. Não acho que seja um benefício que deveria ser estabelecido, porque o preso está nesta situação porque ele a provocou. A lei não estabelece exclusão pelo fato de ser um crime grave ou hediondo. Não é possível que a pessoa fique presa e ainda a sociedade como um todo tenha de pagar um benefício à família do preso, como se este tivesse falecido. De certa forma, o preso é que deveria pagar por se encontrar nesta condição, principalmente por roubo, furto, tráfico, homicídio”, argumentou.
Sem carência
Outro ponto que causa revolta entre parte da população é o fato de que a Previdência Social acolhe a família do detento com a ajuda financeira sem carência, mas se a vítima daquele criminoso ficar inválida ou com problemas de saúde que o impeçam de trabalhar, ela precisa ter, no mínimo, 12 meses de contribuição à Previdência para ser amparada com o auxílio doença ou aposentadoria por invalidez.
No entanto, o gerente do INSS em João Pessoa, José Antônio Cavalcanti, garante que, em caso de morte da vítima, caso ela tenha sido segurada do INSS, vai ser gerada pensão por morte para os dependentes, sem carência.
Companheiro homossexual tem direito
A prioridade são os dependentes diretos do preso, ou seja, mulheres ou marido e/ou companheiro (a) estável, e os filhos (até 21 anos). Ou, ainda, enteados que estejam sob tutela do segurado e não tenham meios para se sustentar. Na ausência dos dependentes diretos, o benefício pode ser retirado pelos pais, ou, ainda, pelos irmãos; companheiro(a) homossexual do segurado(a) também tem direito ao auxílio-reclusão, desde que comprovada a vida em comum.
Como ocorre a perda
O benefício deixará de ser pago, pelos seguintes motivos:
com a morte do segurado e, nesse caso, o auxílio-reclusão será convertido em pensão por morte;
em caso de fuga, liberdade condicional, transferência para prisão albergue ou cumprimento da pena em regime aberto;
se o segurado passar a receber aposentadoria ou auxílio-doença (os dependentes e o segurado poderão optar pelo benefício mais vantajoso, mediante declaração escrita de ambas as partes);
ao dependente que perder a qualidade (ex: filho ou irmão que se emancipar ou completar 21 anos de idade, salvo se inválido; cessação da invalidez, no caso de dependente inválido);
com o fim da invalidez ou morte do dependente.
Correio da Paraíba