Após cometer uma falta no ataque, Lionel Messi juntou as mãos como se fizesse uma prece. Olhou para o céu, a pedir uma ajuda divina que mais uma vez lhe escapou.
Como aquilo poderia estar acontecendo? Como o camisa 10 mais relevante naquela partida, a estreia da Argentina na Copa do Mundo do Qatar não era ele, e sim, Salem Aldawsari?
Foi o meia-atacante do Al Hilal quem fez o gol mais bonito do jogo. Um gol que Messi ficaria orgulhoso. Lance que que definiu uma das maiores zebras da história das Copas do Mundo. No torneio que marca a despedida de um dos maiores da história do futebol, a Arábia Saudita derrotou a Argentina, de virada, por 2 a 1.
Poderia não ter sido assim. Quem viu os primeiros 45 minutos, percebeu que não deveria ter sido assim, na verdade. A Argentina teve chances para marcar pelo menos cinco vezes antes do intervalo, mas não conseguiu aproveitar a suicida linha alta do sistema de marcação saudita. Teve três gols anulados. Um deles, com a ajuda do VAR. O mesmo que ajudou o árbitro esloveno Vincic a marcar pênalti sobre Leandro Paredes aos 10 minutos.
A lembrança de 2018 foi inevitável. Cabisbaixo, aparentando abatimento, Messi assustou até funcionários da AFA (Associação Argentina de Futebol) com a tristeza que o dominou após perder pênalti na estreia diante da Islândia. No novíssimo estádio da novíssima Lusail, ele converteu em 2022.
Tudo parecia correr de acordo com o esperado. O craque sul-americano havia dito na última segunda-feira (21) estar se sentindo bem e confiante. Provou aquilo ao deslocar o goleiro Mohammed Al Owais.
Se Messi estava à vontade, a Argentina também. Por que não estaria? O segundo gol parecia iminente. Fosse nas enfiadas de bola de Papu Gómez, nas arrancadas de Di María ou nas do próprio Lionel, a alviceleste tinha o controle do jogo.
Parecia certo que venceria e chegaria aos 36 jogos de invencibilidade. A última derrota tinha sido para o Brasil, na semifinal da Copa América de 2019. Período de amor tão grande entre a torcida e a sua seleção que a equipe de Lionel Scaloni virou a “Scaloneta”.
O que ninguém imaginava, como pode acontecer em grandes tragédias (no caso argentino) é que tudo mudou de forma drástica e rápida. Foram necessários apenas cinco minutos.
Em falha de marcação de Cuti Romero e erro de posicionamento do goleiro Dibu Martinez, Salem Alsheri empatou com um chute cruzado.
Até que chegou o momento em que, aos sete minutos, Aldawsari foi Lionel Messi e acertou um chute no ângulo.
Foi aí que se revelou outra faceta da estreia Argentina. Sua torcida levou uma surra dos sauditas em animação e apoio ao time. Algo tão surpreendente quanto a derrota em campo.
Messi disse na segunda ser feliz com o apoio que recebia de gente de outros países. Toda vez que pegou na bola, foi muito vaiado.
Quando os sul-americanos tentavam erguer a voz com músicas ou gritos, eram abafados pelos árabes.
A Argentina tinha muito tempo para não apenas chegar ao empate, mas para vencer. Mas se o seu camisa 10, craque global, havia dito que tudo era o elenco atual era muito diferente do de 2018, este voltou, na terça-feira, aos velhos hábitos. No momento em que algo deu errado na partida, não conseguiu mais se recuperar.
O arremate de Aldawsari nocauteou uma das seleções favoritas ao título e colocou em xeque a campanha de despedida em Mundiais de um dos maiores jogadores da história do futebol.
Com a inesperada derrota na estreia, a Argentina terá de buscar resultado contra os rivais, na teoria, mais difíceis do Grupo C: México e Polônia.
“Estou com muita ilusão”, disse Lionel Messi antes de iniciar o jogo que marcaria o início do seu adeus em Copas do Mundo.
A ilusão agora é toda da Arábia Saudita e do seu camisa 10.
Folha Online