Nelson Barros

Nelson Barros é psicoterapeuta e escritor.
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Alguns meninos na calçada buscam o sinal do Wi-Fi

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Alguns meninos na calçada buscam o sinal do Wi-Fi.

Um senhor de óculos embaçados, lendo um livro muito grosso, de capa dura, busca entender o sentido da vida, enquanto aguarda a visita da filha que foi morar no estrangeiro.

Maria acorda às três da manhã. Faz empadas e coxinhas para vender na praia. Ela espera vender tudo, para pagar o aluguel do quartinho onde se apinha com três filhos e um neto. Às onze, ela baixa o preço e espera ao menos empatar o dinheiro que gastou.

Rapazes malhados e mocinhas muito maquiadas conferem, a cada minuto, a quantidade de curtidas na foto do Instagram. Eles exibindo o abdômen, elas fazendo beicinho. Buscam a fama anônima das redes.

Eu me olho no espelho. Cansado de ser jovem, penso se ainda quero pintar a barba. Penso nisso por causa de um homem velho, que vejo sempre no vestiário da academia. Os cabelos pintados de um preto ridículo, ele lava as mãos por horas, olhando pelo espelho os rapazes trocarem de roupa. Morte em Veneza. O desejo que humilha até o fim, ele espera que os cabelos pintados lhe devolvam a juventude.

Carmelita aparece na janela. Muito decotada, oferece os peitos aos rapazes da construção ao lado. Ela espera ser feliz por uns minutos. Um deles diz que tem sede e pisca o olho para os amigos. ‘Tá bem geladinha’, ela diz, ‘pode entrar’. E passam uns quinze minutos bebendo água.

Aquela mulher sempre de preto entra na igreja e reza. Ela espera que Nossa Senhora de Fátima lhe salve o filho doente. ‘Me leve no lugar dele, minha santa mãe. Mais do que ninguém a Senhora sabe da dor de perder um filho’.
A moça apaixonada espera por um sinal. Uma mensagem de bom dia com muitos pontos de exclamação, um ❤️, um ?, uma ? e um ?.

No sertão um homem de rosto vincado espera pela chuva. Ele sonha com o feijão enramando, espigas de milho apontando pro céu.

Na praia, a garotada do futevôlei espera que não chova.

Funcionários aborrecidos esperam a sexta-feira, quando trocarão carimbos e memorandos, por cerveja e espetinhos de frango com bacon.

No semáforo, um malabarista, adolescentes dançando funk, uma mulher com uma criança no colo, garotos com um rodo de limpar pára-brisas… esperam uma moeda e quem sabe, um pouco de atenção?

O poeta olha fixo a folha de papel à sua frente, em busca de inspiração.

Na calçada, meninos buscam pelo sinal do Wi-Fi. Eles esperam um sinal de boa qualidade.

Uns buscam a tal da felicidade. Outros, que a infelicidade vá embora.

Alguns esperam que a dor passe. Muitos querem ser amados.

Boa parte apenas se anestesia.

A ilustração faz parte da coleção do artista Americo Filho, intitulada “Espera”. Está na #casadosmeninos, lá no Sagi.

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