Depois dos tempos sombrios da pandemia de Covid-19 em que todos nós mergulhamos, uma angústia voraz vem tomando conta do meu coração e, certamente, do coração de todos aqueles que trabalham com educação no Brasil: a necessidade urgente de correr atrás do prejuízo e de ensinar as nossas crianças e jovens a lerem, em sentido estrito e lato.
Quando falo em sentido estrito, quero apontar para um contexto grave, conhecido e que se tornou gritante no pós-pandemia: o fato de muitas crianças brasileiras, com mais de seis anos, não saberem ler nem escrever. A pesquisa “Todos pela Educação”, realizada pelo IBGE, demonstrou que, entre os anos de 2019 e 2021, aumentou em 1 milhão o número de crianças entre seis e sete anos que não foram alfabetizadas no Brasil.
Saindo do terreno frio dos números para pisar no chão da escola, preciso dizer que a realidade é ainda mais cruel, pois tenho visto adolescentes chegarem ao ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) praticamente analfabetos ou com uma capacidade de leitura e escrita totalmente inadequada para a turma na qual se encontram.
Pelos corredores das escolas, os professores perguntam-se o que fazer para ensinar o extenso currículo das disciplinas a um aluno que, naquele momento, precisa mesmo é ser alfabetizado. Apesar do esforço monumental que os profissionais (professores, gestores, especialistas) têm feito para remover essa pedra enorme do caminho da aprendizagem, sabemos que seus ombros não “suportam o mundo”. Essa herança maldita da pandemia deve ser encarada de frente por todos que fazem a educação brasileira, a começar por aqueles que têm o poder de elaborar e implementar políticas públicas eficazes contra o analfabetismo funcional desses estudantes.
Deixando momentaneamente de lado essa triste e complexa situação, passo a falar da necessidade de ensinar a ler em sentido lato, ou seja, de incentivar a leitura entre as pessoas alfabetizadas do nosso país que, mesmo sendo capazes de ler e de interpretar texto, não leem porque não gostam, não têm tempo ou preferem as redes sociais.
A última edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, publicada em 2020 pelo Instituto Pró-livro (IPL), em parceria com o Itaú Cultural, demonstrou que, entre os anos de 2015 e 2019, o Brasil perdeu 4,6 milhões de leitores, considerando-se como leitor quem leu um livro inteiro, ou parte dele, nos últimos três meses anteriores à realização do levantamento. Um dos motivos dessa diminuição, segundo o IPL, é que as pessoas, cada vez mais, usam o tempo livre para zapear nas redes sociais, em detrimento da companhia dos livros.
Apesar dos dados sobre a leitura no Brasil estarem desatualizados, e de ainda não conhecermos os números do período pós-pandemia, qualquer observador distraído é capaz de verificar o quanto as redes sociais têm nos absorvido e ocupado as nossas parcas horas livres, e, por conseguinte, nos afastado do hábito da leitura: esse tão essencial costume, capaz de nos salvar de tantas armadilhas, de nos instruir, de desenvolver o nosso senso crítico e a nossa sensibilidade e, quem sabe, ajudar a nós, humanos, a nos conectamos verdadeiramente e a sairmos dessa perigosa e delirante imersão no mundo virtual que vivenciamos.
Nossas crianças e jovens têm que aprender não só a ler, como também a gostar de ler, uma urgência já sabida há muito e que, paradoxalmente, vem sendo adiada nesse nosso Brasil tão contraditório. A questão é que a pandemia agravou ainda mais o estágio terminal em que a nossa educação se encontra há décadas. Estamos agonizando.