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A escolha de Sofia

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Não sou muito exigente. Não idealizo uma política puro sangue, de santos iluminados, arianos, sem se misturar com “essa gentalha”. Pelo contrário, valorizo a interação dos genes, etnias ou matizes ideológicas, para a composição de uma solução pactuada, miscigenada, nesse manejo diplomático de perde e ganha recíproco, aperfeiçoando e enriquecendo tanto as políticas públicas quanto a elaboração das leis. Percebi que o Estado deve governar para todos: empresários e empregados, banqueiros e bancários, civis e militares, idosos e crianças, homens e mulheres, gays e héteros, religiosos e ateus… Não necessariamente na mesma medida, mas todos devem ser contemplados na proporção de suas necessidades, porque são todos cidadãos, depositários do poder político e destinatários dos serviços públicos.

Acho que não sou idealista. Considero o pragmatismo na política não apenas inevitável, mas salutar (o consenso é pragmático). E isso serve para a escolha do nosso voto. Há anos tenho votado com muito orgulho em uns, mas meio borocoxô em outros. Até meu voto de protesto tem sido desconfiado ultimamente… Mas, desta vez, está diferente. Neste segundo turno das eleições presidenciais de 2018, um sentimento inédito de cidadania me consome: o ódio. A depressão e o ódio. Que se misturam, quando me vejo no dever de optar entre duas candidaturas que intimamente repudio com veemência…

O PT decidiu, conscientemente, como estratégia de atuação política planejada e decidida pelos seus líderes, se nivelar por baixo em vários aspectos. Sob alegações que passam por necessidade de competitividade eleitoral, preservação da governabilidade, enfrentamento a grupos político e economicamente poderosos, atropelou a lei (penal e eleitoral) sem pudor, arrebentou a corda para muito além do que podia e devia sustentar, ferindo de morte a ética, o espírito republicano, o princípio democrático, estragando uma história que vociferava nas ruas e nas tribunas em sentido diametralmente oposto.

O Partido dos Trabalhadores conquistou a credibilidade e a confiança do povo brasileiro, com méritos, para mostrar, em vários aspectos, exatamente como não se deve fazer. Fraudar licitações direcionadas, superfaturar obras e desviar dinheiro público para financiar a sua campanha eleitoral é se igualar a outros partidos tradicionais que, nesta eleição presidencial, receberam uma resposta contundente do povo brasileiro, apresentando desempenhos pífios.

Estou convencido de que não valeu a pena. Seria preferível, na minha avaliação, ter realizado metade ou um terço do que pretendia na administração do país, mas ter conservado, perante a opinião pública e a consciência de tantos brasileiros, o seu legado de valores e condutas de referência. O PT foi desmascarado e, junto com ele, o pensamento de esquerda foi envergonhado para a nação, que neste momento procura, meio perdida, um novo líder, uma nova ideologia.

O que me parece tão ou ainda mais estarrecedor foi o caminho que o PT decidiu, conscientemente, como estratégia de atuação política planejada e decidida pelos seus líderes, reagir ou enfrentar tudo isso: preferiu a demagogia, o populismo, o sensacionalismo e a vitimização. Fantasiou o conto de um nobre partido injustiçado, cujos maiores líderes foram condenados por magistrados malvados, por terem feito bem aos que mais precisam, convencendo somente os companheiros mais apaixonados ou menos informados.

Segundo esse roteiro, o Judiciário deve inclusive ser enquadrado por conta de seus arbítrios: o Caderno de Teses do PT, do ano de 2015, intitulado “resgatar o petismo no PT”, prevê explicitamente na sua plataforma de reformas e reivindicações na luta pela Constituinte (item k), a “anulação da Ação Penal 470”. Ou seja, salvar seus camaradas da prisão decorrente do processo do Mensalão, que durou sete anos, onde lhes foram assegurados o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, porém com desfecho indesejado. Nessa época ainda não havia sequer investigação contra Lula. Penso o que diria um suposto caderno de teses de 2018, em relação à Operação Lava Jato… Para mim, essa é uma postura que atenta gravemente contra o estado de direito e a independência dos poderes. Não é o que se espera de um partido que insiste em se dizer democrático.

Outras teses também me surpreendem, como a de um outro caderno, esse chamado de “um partido para tempos de guerra”, elaborado no mesmo ano e fruto do mesmo evento (o 5º Congresso Nacional do partido). Sobre a atuação conservadora e fisiológica dos parlamentares no Congresso Nacional, o caderno revela a necessidade de pressão social para se alcançar a reforma política, o combate à corrupção e a “cassação do deputado Jair Bolsonaro” (item 157).

Ora, após quase década e meia no poder, boa parte dela com aprovação popular estupenda e base parlamentar avassaladora, porque o governo não levou adiante as mencionadas reformas estruturais que hoje reclama? Havia outras prioridades… Como, depois de tudo o que fez no campo da ética, vem agora, esquizofrenicamente, falar em combate à corrupção? Que moral tem o partido para criticar o impeachment da presidente Dilma, o qual nominaram de “golpe” e qualificaram como antidemocrático, quando define estratégias, textualizadas nesse caderno, assumindo compromisso público e conclamando a sociedade para “cassar” o mandato de um parlamentar? O erro está sempre nos outros, não é mesmo?

Como não criticar a declaração pública da presidente do partido, a senadora Gleise Hoffmann, em recente reunião do Foro de São Paulo? Quando, em meio a essa crise humanitária toda que sofre a Venezuela (com repercussões diplomáticas inclusive para o Brasil), preocupou-se tão somente em prestar “apoio e solidariedade” a Nicolas Maduro “frente à violenta ofensiva de direita”, sem sequer, no mínimo, se solidarizar, também, com a multidão de pessoas que vive em situação de miséria, refugiadas ou não, sofrendo a maior penúria, em condições desesperadamente desumanas. Essa não deve ser a postura de um grupo político que tomou para si a bandeira da luta contra a pobreza e o sofrimento humano. Parece que o partido está colocado acima do Estado, as eleições acima da política e a ideologia acima da realidade…

E o José Dirceu, que, ainda cumprindo pena por ter organizado a “compra de parlamentares” (no Mensalão), revela em recente entrevista, com a naturalidade de um gentleman da cidadania, que irão tomar o poder, e que isso não significa necessariamente que vão ganhar as eleições… Insisto: essa não pode ser a mensagem de um partido que, durante esse processo eleitoral, tenta convencer os eleitores de que são a salvaguarda da democracia. “Democracia é respeitar as regras do jogo”, repetia meu brilhante professor da faculdade (para nunca mais eu esquecer). Confesso que ouvir aquilo me dá medo. Não devemos naturalizar essa fala, porque isso não é normal.

Eu até me disponho a perdoar “setenta vezes sete”, mas quando há arrependimento e resignação. Fingir que as coisas não aconteceram é mais vergonhoso do que admitir o erro. A honestidade é mais convincente do que a dissimulação. A humildade é mais carismática do que a arrogância.

De outro lado, o garçom me oferece na bandeja, para degustação, Jair Bolsonaro, o Messias, que nas últimas semanas (ou meses) tenta se polir ao máximo para desconstruir uma imagem edificada com orgulho, disciplina e determinação, tijolinho por tijolinho, durante suas quase três décadas de vida pública como parlamentar ininterrupto, desde a primeira eleição ocorrida logo após nossa recém-nascida Constituição, ainda no ano de 1988. Um político inicialmente discreto, meio envergonhado, mas que foi pegando o traquejo da coisa, soltando a franga, se mostrando um varão tragicamente transparente, horrivelmente honesto, vergonhosamente sincero e corajosamente estúpido.

Quando ainda era um ilustre desconhecido do público em geral e contava mais de dez anos de parlamento, o adolescente, até então com quarenta e quatro anos, dois meses e dois dias de vida extrauterina, decidiu “lacrar” numa entrevista ao programa Câmera Aberta, da Band Rio, que foi ao ar em 23 de maio de 1999, sem cogitar, absolutamente, àquela altura, que um dia seria cotado à responsabilidade e ao protagonismo da Presidência da República. Em mais de meia hora de declarações impactantes, denunciou a farsa do trabalho dos congressistas, as relações promíscuas entre os Poderes, e outras coisas interessantes que merecem certamente a nossa reflexão e o nosso debate. Mas ele foi se empoderando…

– Eu sou favorável à tortura, tu sabe disso, e o povo é favorável a isso também…

[- Se você fosse, hoje, o presidente da República, você fecharia o Congresso Nacional?]
– Não há a menor dúvida. Daria golpe no mesmo dia, no mesmo dia. Não funciona! E tenho certeza que pelo menos 90% da população ia fazer festa e bater palma, porque não funciona. O Congresso, hoje em dia, não serve pra nada, xará. Só vota o que o Presidente quer. Se ele é a pessoa que decide, que manda, que tripudia em cima do Congresso, dê logo o golpe, pô. Parte logo pra Ditadura…

– Me desculpa, né? Através do voto você não vai mudar nada nesse país. Nada. Absolutamente nada! Você só vai mudar, infelizmente, quando um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez: matando uns trinta mil. Começando com o FHC. Não deixar ir pra fora, não. Matando. Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem. Em tudo quanto é guerra morre inocentes.

Como adjetivar isso aí? Como encaixar essa forma numa “fôrma” democrática? Como ter a certeza de que essa massa não vai fermentar e crescer, quando o forno da política atingir altas temperaturas depois de um certo tempo?

Um homem público, elevado a líder, que parece ainda não ter se dado conta, com clareza, da força simbólica inevitavelmente presente nos gestos e palavras de um (candidato a) chefe de Estado… Estou meio convencido de que talvez ele possa não ser racista, machista ou homofóbico (só a intimidade me confirmaria isso). Mas, certamente, o que faz e fala é potencialmente e concretamente destruidor! A política é mais pedagógica do que o desavisado possa imaginar. Ensina e desaprende. Não se “metralha” petralhas por aí; se faz oposição firme e corajosa ao partido. Não se deixa de estuprar uma mulher, porque ela “não merece”; simplesmente não se estupra uma mulher em hipótese alguma. Não se faz memória a um torturador em meio ao fracasso atual do torturado; mas se combate a tortura absolutamente. Um vizinho gay não desvaloriza o imóvel; a intolerância é que desqualifica nossa sociedade. As minorias que não se adequarem à maioria não devem “simplesmente desaparecer”; a vontade da maioria deve prevalecer sim, mas as minorias devem ser protegidas e não esmagadas. O Estatuto da Criança e do Adolescente não deve ser “rasgado e jogado na latrina”; o ECA deve ser amplamente modificado, profundamente alterado, sensivelmente reformado ou até mesmo substituído ou revogado (se assim entender). Não se pergunta a uma criança (quase bebê) se ela já sabe “atirar”; mas se já aprendeu a respeitar os pais e fazer carinho no irmãozinho.

O leitor que me acompanha até aqui, com paciência inexplicável, é um cidadão elevado e, é claro, não se influencia por pronunciamentos como esses. Nem eu, nem você. Fazemos até piada. Mas a gente não conhece o Brasil. Você não é referência média da sociedade, porque, culturalmente, você está acima da média. A civilidade não tomou conta ainda. O progresso não marchou na mesma velocidade em todos os lugares. Acho que não seria coisa de marqueteiro afirmar que a barbárie ainda é real e que a brutalidade medieval ainda é método. Essa postura política é imperdoavelmente irresponsável. Capaz de fomentar inconscientemente um clima de permissividade hostil. São referenciais simbólicos, porém enormemente persuasivos, com energia explosiva suficiente para se materializar em cadeia, com lágrimas, hematomas e sangue. Mas também com tristeza profunda e contida, angústia disfarçada, depressão eufórica, infelicidade sorridente. E já estamos ensaiando por aí…

Ouvi recentemente uma frase atribuída a Thomas Jefferson, que diz: “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. Pois bem, vigiemos. Porque o Brasil está orgulhosamente dividido. Não há diálogo sincero e produtivo, mas impaciência, imposição e rotulações. Não haverá oposição político-partidária, mas boicote inconsequente. Não haverá liberdade de manifestação, mas abuso de direito. Estamos lamentando e, pasmem, até comemorando o desfazimento de amizades antigas e laços afetivos familiares, julgando o caráter das pessoas pela opção de seu voto. Estamos agindo como recém convertidos a uma religião fundamentalista, conduzida por pastores sem sabedoria e sem virtudes. O outro está ultimamente nos decepcionando como nunca antes. O ódio é sempre do outro, porque o amor… Ah, o amor está em mim…

O escritor William Clark Styron (cuja obra não li) conta que Sophie era mãe de dois filhos pequenos, Jan e Eva, um casal, e todos foram levados a Auschwitz, naquela época do nazismo. Lá, um dos soldados deu a Sophie o mais cruel dos “direitos” de escolha: indicar qual dos filhos seria levado à câmara de gás. Caso ela se omitisse, os dois seriam mortos…

Ela escolheu o menino. Eu escolho Haddad. Aos prantos…

“Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder” (Rousseff, 2015). Eu já perdi.

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